16 de setembro de 2018

CASO CAIMA - BRIGA ENTRE HERDEIROS PERPETUA CRISE

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Briga entre herdeiros acirra crise do grupo cimenteiro João Santos

Por Marina Falcão | Do Recife


Com nove de suas 11 fábricas de cimento paralisadas, o Grupo João Santos, dono da marca Nassau, enfrenta hoje não apenas a crise do setor, mas uma acirrada disputa entre os seus sócios-herdeiros.

Integrantes da família que estão fora da condução dos negócios acusam os dois presidentes do grupo - os irmãos Fernando e José Santos - de estarem, supostamente, dilapidando o patrimônio da companhia em benefício próprio. Os acusados negam. Mas os herdeiros descontentes não param por aí.

Nas últimas semanas, um dossiê de 91 páginas foi enviado para Polícia Federal, Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho em Pernambuco, onde o Grupo João Santos é sediado. O material também acusa a diretoria do grupo de crimes como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, fraudes à execuções trabalhistas e formação de quadrilha. Não foram incluídas provas no dossiê.

Falecido em 2009, com quase 102 anos, o patriarca João Santos teve seis filhos, dos quais quatro estão vivos. Pouco antes de morrer, o empresário, que deixou ainda 15 netos, fez um arranjo em que a condução dos negócios da família ficou exclusivamente nas mãos de Fernando e José, hoje com 71 e 80 anos, respectivamente.

Pelo estatuto do grupo, os irmãos Santos só podem ser retirados da gestão com voto de 75% do capital da empresa. Juntos, os dois têm cerca de 32%. Na prática, enquanto estiverem do mesmo lado da briga familiar, os irmãos não podem ser retirados do poder.

O demais acionistas - as irmãs Ana Maria, 76 anos, e Maria Clara Santos, 73 anos, e os netos do patriarca - são detentores dos demais 68% do capital da empresa. Embora tenham a maior parte do capital, têm os poderes limitados pelo estatuto.

Esse braço da família é que elaborou as denúncias e as encaminhou às autoridades.

Segundo um membro da terceira geração da família e um dos responsáveis pelo dossiê, os sócios reclamam que estão assistindo ao fim do grupo familiar de mãos atadas e querem uma porta de saída. "É melhor um fim horroroso do que um horror sem fim", diz um dos netos de João Santos.

Mesmo que suas ações lhes conferissem poderes de controladores, dificilmente haveria hoje compradores dispostos a pagar por elas. No mercado financeiro, o grupo é tido como mau pagador e se comenta que a gestão da empresa está à deriva, com o grupo atolado em dívidas bilionárias.

No entanto, não se sabe ao certo qual é a real situação das contas do João Santos, que não publica suas demonstrações financeiras consolidadas e nunca teve balanços avaliados por uma auditoria externa independente. Até seis meses atrás, o grupo tinha um diretor financeiro com 93 anos, fato que é um dos vários motivos de insatisfação dos herdeiros.

O João Santos chegou a faturar R$ 3 bilhões em 2010, mas hoje esse valor não chega a R$ 1 bilhão com apenas duas de suas fábricas em funcionamento - uma em Mossoró, Rio Grande do Norte, e outra em Capanema, no Pará - e outros negócios menores na área de comunicação (Rede Tribuna), papel e celulose, açúcar, transportes e mineração. 

A dívida fiscal do grupo superaria hoje R$ 8 bilhões, dos quais quase R$ 5 bilhões já estariam inscritos na dívida ativa da União.

Dívida com a União superaria hoje R$ 8 bilhões, dos quais quase R$ 5 bilhões já estariam inscritos na dívida ativa

O valor teria chegado a esse patamar porque o grupo, depois de pagar a maior parte da sua dívida bancária ainda nos anos 90 com a venda de uma fábrica em São Paulo (Ribeirão Grande, que acabou em mãos da Votorantim), adotou como prática "se financiar" por meio de sonegação fiscal, afirma o dossiê.

Fernando e José são empresários reclusos. Ao Valor, falaram por intermédio de seu advogado, Taney Farias, do escritório Farias e Moreira Advogado. Farias diz que um estudo recente feito internamente mostra que a dívida com o Fisco está em torno de R$ 1,5 bilhão e que todos os esforços têm sido feitos para reduzi-la. Ele afirma ainda que o grupo usou a totalidade dos recursos de uma indenização de R$ 200 milhões para amortizar o débito fiscal não de uma, mas de quatro de suas empresas.

A dívida trabalhista total do grupo é calculada pela Justiça em R$ 60 milhões. Na semana passada, a juíza Andrea Keust Bandeira, do Tribunal Regional do Trabalho da 6 Região, determinou o pagamento imediato de todo esse passivo, responsabilizando os sócios subsidiariamente pela quitação do débito.


O grupo João Santos é composto por 47 empresas, algumas inativas. Segundo o dossiê, por meio de contratos de mútuo (empréstimos entre partes relacionadas), o atual gestão está driblando as execuções trabalhistas. "Esses empréstimos estão devidamente contabilizados e servem para socorrer o caixa das empresas em mais dificuldade", defende o advogado dos controladores.

Débora Tito, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) discorda. Ela diz que na seara trabalhista fica evidente um processo de dilapidação patrimonial. "Para não trazer isso à luz, os gestores se recusam a entrar com pedido de recuperação judicial. Identifica-se atualmente que eles estão mandando patrimônio do grupo para empresas de fora dele para dificultar a execução da sentença", afirma a procuradora.

Débora acredita que, no mínimo, caberá a José e Fernando uma condenação por crime contra a organização do trabalho. Ela enviou o dossiê sobre os irmãos ao Ministério Público Federal em Pernambuco (MPF-PE), mas diz que a investigação está sob sigilo. Oficialmente, o MPF informou que não há inquérito instalado sobre o assunto até o momento. A Polícia Federal também foi oficiada pela Justiça do Trabalho sobre parte das denúncias do dossiê, mas diz que "não comenta possíveis investigações em andamento'.

Com a Cimento Nassau como principal negócio, grupo conta hoje com 7 mil funcionários, metade do total de 2013

Segundo o dossiê, José e Fernando têm bancado despesas de empresas de seus familiares às custas do grupo. Além disso, eles teriam estabelecido para si salários de mais de R$ 20 milhões anuais cada um, enquanto suspenderam a "remuneração a título de conselho consultivo" dada às irmãs, espécie de "mesada" estabelecida porque a empresa não estava obtendo lucro para distribuir dividendos.

Os acionistas do dossiê dizem que tiveram acesso à declaração de imposto de renda dos irmãos Santos com a ajuda de funcionários do grupo. Entre 2010 e 2015, o patrimônio de Fernando Santos declarado à Receita Federal teria crescido R$ 86 milhões para R$ 134 milhões, considerando também o de sua esposa.

O dossiê também denuncia uma suposta repatriação fraudulenta ocorrida em 2009, logo após a morte de João Santos. Na ocasião, empresas do grupo teriam recebido empréstimos que somam US$ 80 milhões de um private banking suíço chamado Clariden Leu. Seria, na versão dos autores da denúncia, uma operação de lavagem de dinheiro, uma vez que o valor jamais teria sido amortizado e tampouco teria havido o pagamento de juros. "Toda a operação foi feita dentro da legalidade com registro do Banco Central", rebate o advogado do grupo.

O Clariden Leu foi comprado posteriormente pelo Credit Suisse, que disse "atuar de acordo com todas as leis dos mercados nos quais opera" e "que não comenta sobre especulações envolvendo possíveis relacionamentos com clientes".

O grupo João Santos tem hoje cerca de 7 mil funcionários, metade do que tinha em 2013. A capacidade instalada de produção de cimento do grupo é de 8,4 milhões de toneladas ao ano. As suas 11 fábricas, embora com localização estratégica, não foram modernizadas ao longo das últimas décadas. Uma delas, segundo pessoa com conhecimento do assunto, é a única ainda existente na indústria no país que opera por via úmida, uma tecnologia totalmente obsoleta no setor.

Segundo o advogado Taney Farias, o grupo não pede recuperação judicial porque avalia que pode "coser com suas próprias linhas", pois o patrimônio que tem seria superior ao total dos seu passivo. Além disso, a dívida bancária seria "pequena", de acordo com ele, e débitos fiscais não são incluído em processos de recuperação judicial.

O Brasil tem uma capacidade instalada de produção de 100 milhões de toneladas de cimento ao ano, mas encerrou 2017 com pouco mais da metade utilizada. Atualmente, há uma ociosidade de 47% do parque fabril. A previsão do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC) é de que este seja o quarto ano de retração da indústria, com decréscimo de 1% a 2% nas vendas.

Via Revista Valor.
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Um comentário:

Unknown disse...

Essa briga deixa os colaboradores a mercê enquanto os Diretores, Superintendentes e outros desfrutam de riquezas que construímos durante nossa vida como colaboradores e há não temos o direito se quer de receber nossos salários para manutenção de nossas famílias, mas muito me admira que a justiça trabalhista não veja o que os trabalhadores estão passando e tome logo uma decisão assim como fez a Juíza Andrea da 6 região se não estou enganado Onde enviou para a polícia federal ofício pedindo ajuda pra desvendar as transações financeiras em que a (s) empresa (s) do grupo estão fazendo, pois, além de não nos pagar nossos direitos devem o município, estado e união no que se refere a tributos. Por isso pedimos socorro ao MPT Itaitubensejo e Parabéns e.