22 de novembro de 2018

MAIS MEDICOS - MÉDICO CUBANO SE SENTIA ESCRAVO COM PROGRAMA E EM CUBA

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A gente se sentia explorado, diz cubano que saiu do Mais Médicos e ficará no Brasil
Médico lamenta fim da parceria com Cuba e diz que áreas isoladas devem ser afetadas 


Estelita Hass Carazzai
CURITIBA

Integrante do Mais Médicos por quase três anos, o médico cubano Adrian Estrada Barber disse à Folha que se sentia explorado pelo programa e acha que muitos colegas irão abandoná-lo para ficar no Brasil até o final do ano.

Barber lamentou o fim da parceria com Cuba, mas atribuiu a decisão a uma “estratégia política” do regime cubano, e não às exigências do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), que pediu a realização de testes de capacidade, o envio do salário integral aos profissionais (hoje, eles recebem apenas parte do subsídio, que é retido por Cuba) e a possibilidade de que eles trouxessem suas famílias ao Brasil.

“Eu concordo totalmente [com as exigências]. A maioria se sentia explorada”, disse. 

O profissional deixou o Mais Médicos em 2016, quando passou no Revalida (prova para validar o diploma no país) e começou a clinicar por conta própria. Por causa disso, foi qualificado como “desertor” e está proibido de voltar a Cuba por oito anos.

O médico cubano Adrian Estrada Barber e sua mulher, a farmacêutica brasileira Letícia Santos Pedroso Junior Pinheiro - 23.jun.15/Folhapress/
​Barber se casou com uma brasileira, após uma longa espera judicial motivada por impedimentos em seu contrato de trabalho, como noticiado pela Folha. Hoje, ele tem um filho de dois anos, nascido no Brasil.

'Fala para o governo de Cuba mandar todo mundo embora'. Para começar o governo do Bolsonaro de um jeito ruim.'

Leia abaixo a entrevista do médico cubano.

Folha - Quanto tempo o sr. ficou no Mais Médicos?

- Fiquei um pouco menos de três anos. Eu recebia R$ 2.976 por mês de Cuba, mais a ajuda do município [em Arapoti, interior do Paraná], de moradia e alimentação, de R$ 2.500. O resto do pagamento ia todo para o governo de Cuba. Era suficiente [para pagar as contas]. Era só a minha mulher e eu, não tínhamos criança, nada. Não dava para comprar um carro bom, uma casa, mas dava para as continhas, sim. Mas, para um padrão de um médico, no Brasil, está muito fora da realidade.

Folha - O sr. se sentia explorado? 

- Explorado, acho que todo cubano se sente. Com certeza. A gente saiu de Cuba com o objetivo de economizar uma grana para continuar o estudo por lá, depois. Para a gente, era muito bom esse dinheiro, porque era muito mais do que conseguíamos ganhar em Cuba. E também ter outra experiência, sair, olhar a realidade do mundo. Mas quando a gente chega aqui e vê como funciona o mundo, aí, para mim, ficou decidido que não dava mais para voltar.
Eu acho que a maioria dos médicos se sente reprimida pelo sistema de Cuba. A gente não tem liberdade de fazer as coisas. Por exemplo, agora, eu não consigo entrar no meu país durante oito anos [por ter deixado o Mais Médicos]. Tive a minha liberdade completamente limitada.
Aqui no Brasil, ainda foi muito mais tranquilo do que na Venezuela [que também mantém um programa de intercâmbio com médicos de Cuba]. Eu não cheguei a ir para lá, mas tenho colegas que foram. Tinham que dar uma preliminar do que iriam fazer durante o dia, não podiam sair depois das 18h. Foi uma perseguição terrível.

Folha - Mas o sr. tinha alguma restrição em sua rotina no Brasil?

- Não, aqui não tinha regra. Mas, por exemplo, na hora do casamento, eu estava com medo. Segundo o contrato, eu tinha que pedir autorização ao governo cubano, tinha que falar que ia casar. Eu acho um absurdo isso. Não preciso falar com ninguém do governo. Eu sou livre para casar ou não.
Eu lembro que vocês fizeram uma reportagem. No dia 23, vocês foram a Arapoti. No dia 24, o coordenador do programa [que era cubano] me ligou. Queria saber o que estava acontecendo, por que eu estava dando entrevista. Me questionando. Aí eu falei para a minha esposa: vamos casar logo, porque eu não sei o que vai acontecer. Aí casamos dia 25, com medo de que me falassem para voltar para Cuba. 

Folha - Por que o sr. decidiu deixar o Mais Médicos?

- Eu fiz o Revalida com o objetivo de ficar no Brasil, porque eu havia casado, minha esposa estava grávida. Tinha que fazer para ter uma estabilidade profissional e econômica no Brasil. Eu não sabia o que ia acontecer. E se me mandam embora para Cuba? Não tinha como. Eu não ia deixar minha família aqui.
Aí, fiz o Revalida. Passei [em 2016] no exame teórico, depois no prático e na prova de proficiência em português. Apresentei minha documentação na universidade e pronto, me deram o CRM [registro do Conselho Regional de Medicina].
Aí, pedi para me descredenciarem do programa. Mas [representantes de Brasil e Cuba] foram enrolando. Eu era livre, tinha permanência legal no país, tinha CRM. Mas me questionaram, falaram que eu não podia me desligar, que eu não estava indo mais. Eu realmente não estava, porque não queria mais estar no programa. Eu pedi para me liberarem, mas não queriam. Disseram que eu tinha um consultório particular. Pô, mas eu tenho CRM. Eu posso ter um consultório.

Folha - Como o sr. avalia o fim da parceria com Cuba?

- Eu acho que foi uma grande estratégia política. O governo do PT era afim ao governo de Cuba. Eram dois governos de esquerda. Para mim, eles disseram: 'Fala para o governo de Cuba mandar todo mundo embora'. Para começar o governo do Bolsonaro de um jeito ruim.

Folha - Então, o sr. atribui a responsabilidade pelo rompimento do programa ao governo cubano, e não ao brasileiro? 

- Com certeza. Não foi o governo brasileiro que mandou os médicos embora. Ele colocou algumas exigências, mas não exigiu o fim. E o governo cubano decidiu mandar todo mundo embora. Porque vai perder. Não vão mais mandar grana para lá.

Folha - O sr. concorda com as exigências que o governo Bolsonaro fez? 

- Lógico. Porque não tem por que duvidar da nossa capacidade. Por que não fazer o teste? Que faça, sim. O Mais Médicos está funcionando errado, atualmente. A prioridade [para contratação no programa] eram os médicos brasileiros. Depois, os brasileiros que não têm CRM. Uma terceira opção seriam os médicos estrangeiros. E, como última opção, os médicos conveniados pela OPAS, que são os cubanos. A gente acabou virando a prioridade, mas éramos a quarta escolha. Não está correto. Meu país também está precisando de médico. E por que mandou todo mundo para cá? É tirar a roupa de um santo e vestir em outro.
Foi uma opção política, com certeza. Eles achavam que iam mudar a ideia do povo brasileiro, para continuar com um governo de esquerda. Espalharam médicos cubanos por todo o país. Mas por quê? No Norte, Nordeste, onde ninguém queria trabalhar, beleza, eu acho ótimo. Que vão lá trabalhar. Mas, por exemplo, tem uma cidade bem próxima aqui, Ponta Grossa, que fica a 100 km de Curitiba. Por que Ponta Grossa tem que ter 60 médicos cubanos? A prefeitura fez um concurso público recentemente, e teve um monte de médico brasileiro que se alistou para fazer. Não tem médico interessado? Tem, sim. Mas o prefeito prefere pagar um valor muito baixo e justificar dizendo que não há médico brasileiro. 


150 médicos cubanos desembarcam no aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP); eles fizeram treinamento de três semanas para participar do programa Mais MédicosMoacyr Lopes Junior - 11.nov.2013/Folhapress
Folha - ​​O sr. acha que os municípios se aproveitaram do programa? 

- Tem muito município que se aproveitou, sim. Muitos tiraram o médico brasileiro do posto de saúde para colocar um cubano. Está errado. Em Wenceslau Braz [no interior do Paraná], tinha um dermatologista que trabalhava no posto e foi retirado para colocarem um médico cubano. Em Arapoti, conheci um médico que tinha CRM e queria entrar no programa, e não deixaram entrar, porque disseram que só tinha vaga para cubanos. O Mais Médicos é um programa bom, porque prioriza as áreas carentes, dá atendimento à população. Mas não é tão bom para o médico. O objetivo final dele foi político. Para Cuba, era bom, porque recebia muito dinheiro do Brasil. E, para o governo brasileiro, era bom porque estavam fazendo a cabeça de todo mundo.

Folha - Mas e a população? Muitos municípios vão ficar sem médicos em função do fim da parceria com Cuba.

- Tem município que vai ficar sem cobertura, sim, por um tempinho. Mas eu acredito que há médicos suficientes no Brasil para fazer essa cobertura. Você consegue estimular isso por meio de programas sociais. Por exemplo, há muito financiamento público de faculdade. “Olha, você vai ter dois anos para pagar isso, trabalhando lá no Xingu”, por exemplo. E se ele gosta do trabalho? E se ele casa por lá? Tem muita chance de que esse médico fique trabalhando por lá. 

Folha - Bolsonaro chegou a dizer que os médicos cubanos desempenham um “trabalho análogo à escravidão”. O sr. concorda? 

- Concordo plenamente. E não é só aqui no Brasil. Acontece no meu país, também. Em Cuba, um funcionário da rede de hotéis Meliá recebe US$ 2.000 por mês. Mas isso não chega na mão dele, não. Vai para o governo, que converte isso em pesos cubanos, e manda para o funcionário o equivalente a US$ 80 por mês. E fica com o resto. É um trabalho escravo. Está roubando dinheiro do funcionário.

Folha - Depois que o sr. deixou o Mais Médicos, como ficou sua situação?

- O governo cubano me qualifica agora como desertor. É um termo usado no Exército. As pessoas são condenadas por isso. É como se eu fosse propriedade do Estado. Mas eu não sou militar, eu sou médico. Eu não pertenço ao Estado. Eu sou meu. Não posso voltar a Cuba durante oito anos. Eles [o governo] queriam que eu voltasse para lá, para então me desligar do programa. Para mim, tinha uma chance bem alta de me deixarem lá. Já aconteceu com muitos colegas meus: ficaram cinco anos esperando para voltar para o país em que trabalhavam. Gente casada com um estrangeiro, com filho. Aí eu, com esposa grávida, vou voltar para Cuba, e arriscar ficar cinco anos longe? Jamais.

Folha - O sr. ainda tem família em Cuba?

- Sim, meus pais e irmão ainda estão em Cuba. Não sofreram represália. Eles podem vir me visitar, mas é toda uma burocracia, demora três meses para liberar, é caro. Só a documentação dá cerca de R$ 1.000. E a gente tem que pagar, porque o salário do meu pai é de cerca de R$ 15 por mês. Daí, imagina. Atualmente, eu ganho mais do que na época do Mais Médicos, mas trabalho mais, também. Faço plantão, trabalho em posto. Mas valeu a pena. Hoje, eu sustento minha família aqui e minha família em Cuba. São três famílias: a minha, a do meu pai e do meu irmão. 

Folha - O que o sr. acha que vai acontecer com seus colegas cubanos agora? Acha que muitos irão desertar?

- Com certeza. Tomara que fiquem. Porque a probabilidade de um médico cubano passar no Revalida é muito alta. Eu escuto muito comentário, que tem cubano que não é médico, que vieram socorristas... Eu duvido muito. Todos são médicos, tenho certeza absoluta. E são competentes. Por exemplo, recentemente, houve outra prova do Revalida aqui no Paraná. 15% dos que passaram na prova teórica eram cubanos. Tem muitos que querem ficar, não querem ir embora. Vai ter muito cubano fazendo o Revalida. E passando.

Fonte: Folha.
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