O juiz Sérgio Moro retirou nesta quarta-feira (16) o sigilo de interceptações telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As conversas gravadas pela Polícia Federal incluem diálogo desta quarta com a presidente Dilma Rousseff, que o nomeou como ministro chefe da Casa Civil. (Ouça gravação no vídeo acima)
No despacho em que libera as gravações, Moro afirma que, “pelo teor dos diálogos degravados, constata-se que o ex-Presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos”.
Moro afirma, ainda, que alguns diálogos sugerem que Lula já sabia das buscas feitas pela 24ª fase da Operação Lava Jato no início do mês. Leia a íntegra do despacho.
Conversa com Dilma
- Dilma: Alô
- Lula: Alô
- Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
- Lula: Fala, querida. Ahn
- Dilma: Seguinte, eu tô mandando o 'Bessias' junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!
- Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
- Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
- Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.
- Dilma: Tá?!
- Lula: Tá bom.
- Dilma: Tchau.
- Lula: Tchau, querida.
O Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que o diálogo de Dilma, ao contrário da interpretação da oposição, não estava dando a Lula um documento para ele se livrar de possível ação policial.
Segundo o ministro, a presidente estava enviando a Lula o documento chamado termo de posse, para ele assinar. Isso porque Lula, de acordo com Cardozo, estava com problemas para comparecer à cerimônia de posse marcada para quinta-feira (17).
O Planalto emitiu nota em que afirma que vê 'afronta' a direito de Dilma na divulgação do telefonema. Leia na íntegra.
Cargo de ministro
Em outro trecho, Lula afirma que jamais iria para o governo para se proteger. Ele conversa com Valmir Moraes da Silva e com o governador do Piauí Wellignton Dias.
- Wellington Dias: O Brasil precisa nesse instante de você aqui. Sei que não é uma operação que não é fácil para você. Há, pelo que eu sei, disposição dela [Dilma] e acho que vale a pena, viu presidente?
- Lula: Mas deixa eu te falar, eu vou ter uma conversa com ela, porque não é fácil. Não é uma tarefa fácil. Veja, eu jamais direi ao governo para me proteger.
- Wellington Dias: Não, eu sei. Mas não é para isso. Isso que você está fazendo é uma coisa excepcional. É uma coisa fantástica que você está fazendo se caminhar nas duas direção [sic] o que você está fazendo, essas duas medidas que a gente tá tratando da economia. To aqui para falar com ela [Dilma] sobre isso. Oito partidos, 21 governadores, que dão sustentação às mudanças que ela precisa fazer para a economia. Não tem jeito. Ela tem que aumentar um pouco o endividamento para poder ter dinheiro para fazer esse país.
- Lula: Eu acho, eu acho, eu acho. A coisa mais simples que ela tem que fazer.
(Ouça na íntegra abaixo)
Influência
O juiz diz que algumas em algumas conversas se fala, aparentemente, "em tentar influenciar ou obter auxílio de autoridades do Ministério Público ou da Magistratura em favor do ex-Presidente". Moro ressalta, porém, que não há nenhum indício nas conversas, ou fora delas, de que as pessoas citadas tentaram, de fato, agido "de forma inapropriada".
"Em alguns casos, sequer há informação se a intenção em influenciar ou obter intervenção chegou a ser efetivada", observa o juiz.
Um dos casos citados por Moro faz referência à Ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal (STF), "provalvemente para obtenção de decisão favorável ao ex-Presidente na ACO 2822". Na ocasião, Weber negou pedido apresentado pela defesa do ex-presidente para suspender duas investigações sobre um triplex em Guarujá (SP) e um sítio em Atibaia (SP) ligados a ele.
"A eminente Magistrada, além de conhecida por sua extrema honradez e retidão, denegou os pleitos da Defesa do ex-Presidente", afirmou Moro.
Outro ministro que também aparece nos diálogos é Ricardo Lewandowski. "Há diálogo que sugere tentativa de se obter alguma intervenção do Exmo. Ministro Ricardo Lewandowski contra imaginária prisão do ex-Presidente, mas sequer o interlocutor logrou obter do referido Magistrado qualquer acesso nesse sentido", consignou o juiz.
A ministra Rosa Weber e a presidência do STF informaram que não iriam comentar o caso.
Reclamações e palavrões
Lula reclama que a Polícia Federal fez buscas na residência de seus
filhos e de quadros antigos do PT – Paulo Okamotto, presidente do
Instituto Lula, e Clara Ant, sua assessora.
Dilma pergunta a Lula se ele não achou ‘estranho’ a publicação da
Revista IstoÉ, na quinta-feira, 3, um dia antes da Aletheia, antecipando
a delação do senador Delcídio Amaral, ex-líder do Governo. “O sr não
achou estranho?”, perguntou a presidente.
“É um um espetáculo de pirotecnia sem precedentes, querida. É o
seguinte: eles estão convencidos de que com a imprensa chefiando o
processo investigatório eles conseguem refundar a República. Nós temos
uma Suprema Corte totalmente acovardada, um Superior Tribunal de Justiça
totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado, somente nos
últimos tempos o PT e o PC do B começaram a acordar, um presidente da
Câmara fudido, um presidente do Senado fudido, não sei quantos
parlamentares ameaçados e fica todo mundo no compasso achando que vai
acontecer um milagre.”
Lula ataca a força-tarefa da Operação Lava Jato. “Eu estou,
sinceramente, estou assustado é com a república de Curitiba porque a
partir de um juiz de primeira instância tudo pode acontecer nesse País,
tudo pode acontecer.” - (Texto extraído do Estadão)
Moro afirma também que há menção ao recém nomeado Ministro da Justiça Eugênio Aragão, sobre quem Lula diz que "parece nosso amigo", mas de quem reclama porque "este não teria prestado qualquer auxílio". "Eu às vezes fico pensando até que o Aragão deveria cumprir um papel de homem naquela porra, porque o Aragão parece nosso amigo, parece, parece, mas tá sempre dizendo 'olha...'.", diz trecho da conversa. (Ouça a gravação acima)
Eugênio Aragão informou que não iria se manifestar.
O juiz registra no despacho que registrou essas referências "apenas para deixar claro que as aparentes declarações pelos interlocutores em obter auxílio ou influenciar membro do Ministério Público ou da Magistratura não significa que esses últimos tenham qualquer participação nos ilícitos". Para Moro, porém, isso "não torna menos reprovável a intenção ou as tentativas de solicitação".